Eder Carvalho, auditor e especialista em projetos de compliance fala sobre a fraude contábil que levou à prisão de ex-diretores de uma das maiores varejistas do Brasil
Em fevereiro de 2017 a sede da Americanas S.A., localizada na rua Sacadura Cabral, no Centro do Rio de Janeiro foi palco do início de um dos maiores escândalos de fraudes no Brasil. O balanço encerrado pela empresa no ano anterior estava sendo esquadrinhado por empresas de auditoria independente que compõem as chamadas “Big four”, as quatro maiores empresas de auditoria independente do mundo. Preocupados com a iminente descoberta de fraudes contábeis que vinham sendo cometidas por pelo menos quinze anos, os diretores da gigante varejista criaram um grupo de WhatsApp chamado “auditoria 2016” para discutir métodos de esconder dos auditores as irregularidades que, num efeito bola de neve, resultaram em um rombo de 48 bilhões de reais, levando a empresa à falência. Este escândalo, tornado público em janeiro de 2023, é agora reconhecido como a maior fraude da história das corporações brasileiras.
A fraude nas Lojas Americanas envolvia a manipulação de balanços financeiros para ocultar dívidas e inflar lucros, enganando investidores e reguladores. As práticas fraudulentas permitiram à empresa apresentar um relatório financeiro aparentemente saudável e altamente rentável, o que resultou na valorização constante das ações ao longo da última década. A manipulação incluía a fraude do chamado “risco sacado”, um tipo de transação comum entre bancos e varejistas, que permitia esconder enormes dívidas e apresentar balanços com lucro. Com isso, mais acionistas investiram na empresa, mantendo o caixa cheio e permitindo que os diretores recebessem bônus milionários anualmente.
A descoberta da fraude levou à prisão de vários ex-diretores da Lojas Americanas, acusados de envolvimento direto nas manipulações contábeis. Esses ex-executivos enfrentam acusações criminais graves, incluindo falsidade ideológica, fraude contra credores e manipulação de mercado. Eder Carvalho, contador, advogado e especialista em projetos de auditoria interna e compliance, comenta sobre o impacto jurídico do caso: “A prisão dos ex-diretores é um marco na responsabilização dos indivíduos envolvidos na maior fraude corporativa do Brasil. Gestores das empresas devem ser responsabilizados, pois não se trata apenas de esconder, manipular o resultado de uma companhia. Se trata, principalmente, de atiçar a vontade de outros em investir, em crescerem seu patrimônio junto da empresa investida. Com a manipulação dos números, investidores perderam dinheiro, perderam patrimônio e a causa disso deverá ser imputada a quem cometeu o crime. Isso envia uma mensagem clara sobre as consequências de tais práticas fraudulentas.”
O escândalo evidenciou falhas graves na governança corporativa das Lojas Americanas. A falta de controles internos eficazes e de supervisão adequada permitiu que as práticas fraudulentas continuassem por um longo período. “Este caso ressalta a importância de uma governança corporativa robusta e de mecanismos de compliance eficazes para detectar e prevenir fraudes. As empresas precisam aprender com esse exemplo e fortalecer seus processos internos,” destaca Éder.
A Importância da Auditoria Interna e do Compliance
De acordo com Eder Carvalho, a crise nas Lojas Americanas destaca ainda mais a necessidade de fortalecer os processos de auditoria interna e compliance nas empresas. “A área de auditorias internas deve ter independência para realizar seus trabalhos. No caso das Americanas, os auditores internos se reportavam a quem? Quem receberia um relatório informando que foram detectadas fraudes contábeis? Provavelmente o conselho de administração. Este conselho sabia das fraudes? Tinha participação no escândalo? Não podemos afirmar, mas se a independência dos auditores internos estivesse assegurada, eles fizeram seus trabalhos e teriam condições de assegurar sob a adoção ou não de boas práticas.
Ter uma área de auditoria interna com atuações regulares e um sistema de compliance bem estruturado, são essenciais para identificar irregularidades e garantir a conformidade com as normas e regulamentos. Sem essas medidas, o risco de fraudes aumenta significativamente.”
Em resposta ao escândalo, as Lojas Americanas adotaram uma série de medidas corretivas, incluindo a reformulação do conselho de administração, a contratação de novos auditores independentes e a revisão dos processos internos de controle. “Essas ações são fundamentais para restaurar a confiança dos investidores e do mercado. No entanto, a recuperação total da credibilidade levará tempo e exigirá um compromisso contínuo com a transparência e a ética empresarial”, afirma.
A prisão e responsabilização dos ex-diretores das Lojas Americanas marcam um capítulo importante na luta contra a fraude corporativa no Brasil. Este caso serve como um alerta para outras empresas sobre a importância da integridade financeira, da governança corporativa e da implementação de mecanismos robustos de auditoria e compliance.
“O escândalo das Lojas Americanas deve ser visto como uma lição sobre os riscos e consequências da negligência com a transparência e os controles internos. A responsabilização dos envolvidos é essencial para garantir a justiça e a confiança no mercado, e deve motivar outras empresas a adotarem práticas mais rigorosas de prevenção e detecção de fraudes”, conclui Eder.
Fonte: Eder Carvalho Magalhães – Escritor, contador, advogado e mestre em administração pela PUC Minas e Fundação Dom Cabral. Professor de cursos de MBA na PUC Minas.
Foto: Acervo Pessoal | Divulgação