Pesquisadores da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da Fundação Getulio Vargas (FGV) analisaram o processo de construção de lideranças em três favelas da capital paulista. O estudo, publicado na última quarta-feira (29) nos Estados Unidos, foi elaborado a partir da realização de entrevistas e pesquisas de campo, por dois anos, nas favelas dos bairros Campo Limpo, Capão Redondo, e Jardim Ângela, todos na zona Sul de São Paulo.
A pesquisa, intitulada What Favelas Can Teach About Leadership: the Importance of Shared-purpose and Place-based Leadership (O que as Favelas Podem Ensinar sobre Liderança: a Importância da Liderança com Propósito Compartilhado e Local, em tradução livre), foi publicada como um dos capítulos do livro Reimagining Leadership on the Commons: Shifting the Paradigm for a More Ethical, Equitable, and Just World (Liderança Compartilhada: Mudando o Paradigma para um Mundo Mais Ético, Equitativo e Justo, na tradição livre), da editora Emerald.
O autor principal do estudo, o pesquisador da EAESP-FGV Renato Souza, destacou três características comuns encontradas no processo de surgimento de lideranças nas favelas pesquisadas. A primeira delas diz respeito ao que o pesquisador chama de liderança “coletiva ou relacional”.
“A primeira coisa é que, contra uma visão muito comum sobre lideranças, liderança na figura de uma pessoa só, em uma posição formal de autoridade, como a gente enxerga muitas vezes, eu pude entender que, na favela, em um lugar onde você não tem chefe, não existe relações formais de autoridade, a forma de construção de liderança se passa pela capacidade que eles têm, moradores e líderes comunitários, de estabelecerem relações entre eles”, explica Souza.
De acordo com ele, diferentemente do que ocorre em organizações privadas ou públicas, onde há estruturas e processos formais de autoridade, e em que, normalmente, a liderança é atribuída à figura de um líder, de uma pessoa que detém autoridade, nas favelas o processo depende menos dos traços específicos das pessoas que se tornarão líderes.
“Normalmente, quando a gente tem um líder, a gente começa a procurar nessa pessoa alguns traços, de personalidade, ou características ou estilo para se explicar a liderança. [Nas favelas], são relações múltiplas, diversas, complexas, e não tem, necessariamente, a ver com nenhum traço de personalidade, ou característica pessoal [que determinam quem será o líder]”, ressalta o pesquisador.
Um outro aspecto observado pelo pesquisador é a intensa mobilidade, nas favelas, entre as posições de líder e liderados. “Tem uma hora que eu estou liderando; e tem uma hora que você é liderado. Liderar e ser liderado se torna um processo muito mais dinâmico do que a gente está geralmente a costumado em empresas, em situações formais, onde tem a figura de uma pessoa que diz o que precisa ser feito e os outros seguem”.
O pesquisador destaca ainda que o surgimento das lideranças nas favelas é uma resposta para necessidades locais e geralmente estão associadas a um propósito compartilhado por todos daquela comunidade, geralmente para resolver problemas locais.
“[O estudo detectou] a importância do propósito compartilhado, do propósito comum, que esses moradores desenvolvem face à realidade que vivem, de vulnerabilidade econômica e social. Um propósito comum que é importante, que vem antes, inclusive, do surgimento da liderança”, explicou.
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